Amma e Yurugu: caos e equilíbrio na história Dogon
Do Homem ao Divino é um portal de conhecimento e revelações profundas sobre os grandes mistérios da humanidade. Aqui exploramos deuses ancestrais, mitos que podem ser verdades, livros apócrifos e proibidos, e as possíveis origens divinas ou cósmicas da criação. Do barro ao espírito, da terra as estrelas, mergulhe com a gente em uma jornada que desafia as versões oficiais da história. Se você busca respostas além da Bíblia, além da ciência e além do visível... este é o seu lugar.
Na mitologia japonesa, Izanagi e Izanami são o casal divino responsável pela origem das ilhas e pela gestação do panteão xintoísta.
Suas ações não apenas moldaram a geografia sagrada do arquipélago, mas também estabeleceram ritos, símbolos e uma concepção do mundo marcada pela alternância entre criação e perda.
Narrado no Kojiki e no Nihon Shoki, o mito combina cerimônia, erro ritual e redenção por meio da purificação.
A história começa num mar primordial indiferenciado, onde a ordem precisa ser forjada a partir de gestos precisos.
Ao estudar Izanagi e Izanami, percebemos que o mito funciona como mapa simbólico: explica por que a terra existe, como a autoridade divina se legitima e por que rituais de limpeza são centrais no xintoísmo.
Além disso, o enredo traz lições sobre responsabilidade, limite humano e o custo inerente ao ato de criar. É uma narrativa que mistura encanto, tragédia e renovação.
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| A cena mostra Izanagi de frente para Izanami, com ele segurando a lança do mito da criação japonesa. Os dois se encaram em um ambiente aberto, tendo o mar e a ilha ao fundo. |
Os primeiros atos de Izanagi e Izanami se dão com a lendária lança divina Ame-no-nuhoko.
Ao descerem à beira do mundo aquático, os dois deuses perfuraram o mar primordial e, ao levantar a arma, as gotas solidificaram-se, formando a ilha inaugural, Onogoro.
Ali, estabeleceram um pilar sagrado e realizaram a cerimônia nupcial — um rito cuja ordem e pronúncia seriam decisivos.
A tradição registra um episódio inicial falho: quando Izanami falou primeiro, os filhos gerados eram deformes.
Através desse detalhe, o mito sublinha a importância do protocolo ritual; a inversão dos papéis na cerimônia pode corromper o efeito criador.
Consertada a ordem — agora Izanagi fala primeiro — o casal prossegue na geração ordenada das ilhas: Awaji, Shikoku, Kyushu e, por fim, Honshu.
Cada ilha surge carregada de nomes, atribuições e deuses locais, estabelecendo a geografia sagrada que justificará cultos e linhagens territoriais.
Essa criação é também uma fundação política: a terra ganha história e legitimidade por intervenção divina.
O gesto de nomear e batizar cada ilha era, no fundo, um ato de sacralização: cada pedaço de terra recebeu um conjunto de mitos que o ligavam a um kami específico, tornando-o sede de rituais e cultos locais.
Essa prática funcionava como fundação simbólica de comunidades humanas; clãs e famílias poderiam reivindicar origem sagrada por viver e cultivar um dos locais criados por Izanagi e Izanami.
Além disso, a narrativa demonstra que a terra não surge pronta, mas demanda celebração e trabalho: a criação é também escola de liturgia e de política ritual, onde a gramática do sagrado disciplina o humano.
Com as ilhas firmadas, Izanagi e Izanami começaram a gerar entidades que personificaram fenômenos naturais: deuses do vento, das montanhas, das correntes e dos vulcões.
Entre esses nascimentos, o mais dramático ocorreu quando Izanami deu à luz a Kagutsuchi, o deus do fogo.
As chamas do parto feriram mortalmente Izanami; sua morte transformou imediatamente a criação em dor.
Izanagi, consumido pelo luto, reagiu com fúria: encontrou e matou o recém-nascido, e do sangue e das vísceras de Kagutsuchi surgiram novas divindades ligadas ao trabalho do metal, às forjas e às forças telúricas.
O episódio revela uma tese central: a origem nem sempre é benéfica sem custo. A produção do mundo implicou sacrifício.
Nas genealogias míticas, essa ferida inicial justifica rituais de reparação e explica por que certas atividades, como a metalurgia e o uso do fogo, são rodeadas de tabus e cerimônias.
A reação de Izanagi ao perder Izanami não se limita à dor pessoal: no plano cósmico, a morte altera a sucessão divina e obriga reformas rituais.
A violência com que Kagutsuchi é tratado — e as divindades secundárias que daí resultam — mostra que a cosmologia incorpora o choque como elemento formativo.
Comunidades transmitiam essas lembranças por meio de contos e cerimônias que marcavam estações e ofícios; ferreiros e artífices, por exemplo, associavam sua técnica a divindades nascidas do fogo, reconhecendo na prática artesanal um vínculo com o sagrado.
Incapaz de aceitar a perda, Izanagi decide penetrar no Yomi, o reino soturno dos mortos, em busca de Izanami.
A descida é descrita como perigosa e impregnada de proibições: o mundo subterrâneo não permite a luz do olhar e preserva leis próprias.
Izanagi encontra Izanami, mas ela encontra-se transformada — parte corpo, parte corrupção — e pede que ele não a veja enquanto busca permissão junto aos senhores do lugar.
Movido por ansiedade e desobediência, Izanagi ilumina o ambiente; ao fazê-lo, revela a decomposição de sua amada.
Horrorizado, foge, e Izanami, ferida no orgulho e na dor, ordena espíritos e monstruosidades a persegui-lo.
A fuga torna-se dramatizada: Izanagi arremessa barreiras, tenta impedir a passagem com rochas e fecha, por fim, o portal que separa vivos e mortos.
A narrativa formaliza a impossibilidade de revogar a morte: a travessia ao reino dos mortos é definitiva e o retorno forçado resulta em ruptura moral e cósmica.
A descida ao Yomi tem ecos universais — Orfeu, Inanna —, mas no relato japonês o tom é de advertência: a fronteira entre os mundos exige respeito ritual; a transgressão amplia o risco para toda a comunidade.
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| A ilustração mostra Izanagi em sua descida ao Yomi, caminhando por um túnel sombrio enquanto segura sua lança. Ao fundo, um clarão indica a saída ou passagem do caminho. |
A fuga de Izanagi culmina num rito que mudaria o panteão: ao lavar-se das impurezas da viagem, o deus realiza o misogi, rito de purificação cujas águas produzem novos nascimentos.
Do olho esquerdo brota Amaterasu, senhora do sol; do olho direito nasce Tsukuyomi, senhor da lua; e do nariz emerge Susanoo, deidade das tempestades e do mar.
Esses três assumem papéis nucleares no xintoísmo e nas lendas dinásticas do Japão: Amaterasu, em especial, torna-se ancestral simbólica da casa imperial.
A purificação simboliza o poder do rito para transformar a sujidade ritual em autoridade e ordem: a experiência do contato com a morte não apenas marca, mas também gera novo princípio.
A figura de Amaterasu transformou-se no centro de cultos que legitimaram a autoridade imperial.
A luz do sol, personificada, é garantia de fecundidade e norma; Tsukuyomi regula o tempo noturno, e Susanoo, com sua natureza tempestuosa, é responsável por episódios de conflito e reconciliação que testam os limites da ordem divina.
No xintoísmo, o misogi continua vivo: purificações públicas, banhos rituais e festivais de renovação reproduzem a sequência mítica, reatualizando a vitória da vida sobre as impurezas.
Além disso, as festividades que celebram essas divindades mantêm viva a narrativa: procissões, oferendas e ritos familiares rememoram a purificação e afirmam a continuidade entre passado mítico e práticas cotidianas.
O mito de Izanagi e Izanami interpela-nos sobre o preço da origem: criar um mundo exige coragem, protocolo e, por vezes, sacrifício.
A narrativa articula amor e perda, ordem ritual e transgressão, apontando que a vida nasce entre feridas.
A purificação de Izanagi enseja uma mensagem ética: diante da dor, procedimentos simbólicos — ritos, lembranças e institutos sociais — reconstroem a continuidade.
Culturalmente, o mito oferece justificativas para hierarquias, para práticas de reverência ao sol e para a centralidade do xintoísmo na formação do imaginário japonês.
Lido hoje, o relato permanece atual porque mostra como comunidades transformam traumatismos em memória normativa, fazendo do sagrado um mecanismo de reparação e sentido.
No conjunto, o mito oferece ferramentas narrativas que sociedades usam para transformar rupturas em princípios normativos; a lembrança da perda funciona como base para práticas de cuidado, rituais de passagem e discursos que mantêm a coesão social.
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