Amma e Yurugu: caos e equilíbrio na história Dogon
Do Homem ao Divino é um portal de conhecimento e revelações profundas sobre os grandes mistérios da humanidade. Aqui exploramos deuses ancestrais, mitos que podem ser verdades, livros apócrifos e proibidos, e as possíveis origens divinas ou cósmicas da criação. Do barro ao espírito, da terra as estrelas, mergulhe com a gente em uma jornada que desafia as versões oficiais da história. Se você busca respostas além da Bíblia, além da ciência e além do visível... este é o seu lugar.
Em imagens que vão desde baixos-relevos de templos até histórias narradas à margem de rios, os Naga aparecem como serpentes gigantes, às vezes com cabeças múltiplas, por vezes com torso humano, sempre associados à água, ao conhecimento e ao enigma.
A ideia central que une essas representações é simples: os Naga são mediadores entre mundos — guardiões de fontes e rios, portadores de segredos e reguladores de limites.
Ao mesmo tempo em que inspiram temor por seu poder e por seu veneno, também são reverenciados como provedores de chuva, fertilidade e prosperidade.
Recontar suas narrativas hoje nos ajuda a entender modos tradicionais de convivência com a água e a importância de símbolos que orientaram práticas sociais e ambientais por séculos.
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| Palácio com colunas onde aparecem vários Naga, alguns totalmente serpentes e outros em forma híbrida, metade humano e metade serpente, sugerindo um cenário subterrâneo. |
A origem dos Naga se perde no tempo e mistura diversas camadas de crença.
Nas primeiras tradições védicas, serpentes aparecem como símbolos de poder natural e fertilidade; com a consolidação do panteão hindu, essas imagens foram incorporadas ao imaginário panteônico e complexificadas.
Nos épicos e puranas hindus, os Naga são descritos como uma ordem de seres que habitam o submundo aquático denominado Patala, dotados de reis, rainhas e organização social.
Figuras como Shesha (a serpente cósmica que sustenta Vishnu) e Vasuki (usada como corda no batismo do oceano) mostram a dimensão cósmica atribuída a esses seres.
Ao mesmo tempo, há histórias locais que humanizam o Naga: casamentos entre Nagas e humanos, linhagens que descem desses encontros e pactos com comunidades ribeirinhas.
Essa ambivalência — protetor e ameaça — reflete uma relação antiga entre sociedades humanas e ambientes aquáticos.
Nagas podem punir o desrespeito às nascentes e, depois, serem apaziguados por rituais que restauram o equilíbrio.
No conjunto, o conceito de Naga articula cosmologia, moralidade e um saber prático sobre recursos hídricos.
No Hinduísmo, a presença dos Naga é constante e multifacetada.
Além de Shesha e Vasuki, aparecem episódios como o de Kaliya, a serpente do rio Yamuna que foi domada por Krishna; essa narrativa expressa como a força perigosa pode ser reelaborada e transformada em proteção.
O festival do Naga Panchami reúne devoção e rituais destinados a pedir proteção contra as mordidas de serpentes e, simbolicamente, a pedir chuva e fertilidade.
No Budismo, os Nagas também se inserem como guardiões do Dharma.
A figura do Mucalinda — o Naga que enrolou seu corpo e abriu sua capuz para proteger o Buda durante uma tempestade — é um arquétipo poderoso de cuidado interespécies e supervisão espiritual.
Em muitos mosteiros do Sudeste Asiático, Nagas aparecem na iconografia como protetores de relíquias e locais sagrados.
Nas tradições populares, mitos sobre Nagas misturam magia, moralidade e lembranças ecológicas: eles sancionam tabus, protegem nascentes e orientam práticas comunitárias.
No Sudeste Asiático a figura do Naga se reinventou com cores locais.
Em templos do Camboja, Tailândia e Laos, esculturas de cabeças múltiplas guardam entradas e escadarias; nas margens do Mekong, a crença no Phaya Naga alimenta narrativas e rituais que ligam a serpente ao destino das comunidades ribeirinhas.
Festivais populares celebram a presença Naga e envolvem procissões, oferendas e práticas que, além do sentido espiritual, têm efeitos concretos sobre a gestão de água e a coesão social.
Em Java e Bali, sincretismos entre hinduísmo, budismo e tradições indígenas produzem imagens e rituais singulares: Naga são invocados em cerimônias de purificação e associados a ancestrais.
Entre povos tribais do subcontinente indiano e áreas limítrofes, cavernas, poços e nascentes reconhecidos como domínios dos Nagas ficam protegidos por tabus — regras que atuam também como normas ecológicas tradicionais.
O simbolismo do Naga é denso e plurilíngue: ligado à água, remete à fertilidade e ao perigo; ligado à pele que se renova, remete à transformação e ao ciclo; ligado a tesouros, remete à riqueza natural que está oculta e exige respeito.
Rituais de veneração vão de pequenas oferendas nas margens a grandes celebrações públicas.
Tais práticas, além de expressar devoção, realizam funções práticas: preservam nascentes, regulam o uso da pesca e reforçam normas comunitárias de gestão dos recursos.
Hoje, acadêmicos e gestores ambientais têm reconhecido o potencial desses saberes tradicionais.
Projetos que integram a sacralização de locais com planos de conservação utilizam a memória Naga para promover a proteção de nascentes e encorajar práticas sustentáveis.
Ao mesmo tempo, a cultura popular (cinema, quadrinhos, artes visuais) reinterpreta o Naga, mantendo-o vivo no imaginário contemporâneo — com o cuidado, no entanto, de não descaracterizar seus sentidos originais.
Algumas narrativas exemplificam o alcance social e simbólico dos Nagas.
No mito de Kaliya, Krishna domina uma serpente que envenenava as águas; Kaliya passa por transformação e, depois, torna-se figura que confirma a ordem restaurada.
Em outra tradição, Takshaka aparece em enredos de vingança que envolvem reis e famílias, mostrando como os Nagas participam de tramas morais.
A deusa Manasa, vinculada à cura de mordidas de cobra, ilustra o entrelaçamento entre medicina popular, culto e proteção ritual: a devoção a ela inclui práticas de cura e ritos de prevenção que foram parte do repertório tradicional de saúde comunitária.
O festival do Naga Panchami e outros ritos regionais evidenciam o caráter prático da devoção: oferendas de leite, flores e arroz são deixadas em altares e junto a antigos poços, numa tentativa de apaziguar as forças serpentinas e pedir proteção.
Em muitas localidades, esses ritos coincidem com períodos agrícolas críticos; a devoção funciona, então, como um mecanismo de solidariedade social e de regulação coletiva do uso da água.
Rituais como esses ajudam a manter tabus e práticas que, muitas vezes, resultam em proteção efetiva de ecossistemas sensíveis.
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| Pedra na beira de um rio com oferenda ritual: punhado de arroz, leite sendo despejado, velas acesas, quadrinhos com desenhos de serpentes e uma pequena estátua em forma de naja. |
Atualmente, as narrativas sobre Naga oferecem ferramentas úteis para políticas culturais e ambientais.
Quando comunidades e gestores reconhecem a sacralidade de nascentes e cursos d’água, surgem oportunidades para unir patrimônio imaterial e conservação ecológica.
Projetos bem-sucedidos têm incorporado saber tradicional como elemento educacional e de engajamento local, usando rituais e memórias como alavancas para práticas sustentáveis.
A apropriação comercial e turística dessas imagens exige cautela, mas também pode gerar renda para comunidades que mantêm o patrimônio vivo.
As histórias dos Naga mostram que mitos antigos não são meros relatos exóticos: são repertórios práticos e simbólicos que regulavam comportamentos, protegiam recursos e consolidavam identidades.
Em face dos desafios ambientais contemporâneos, ouvir essas tradições é um convite a recuperar saberes que articulam respeito, cuidado e limites.
Os Naga nos lembram que a sacralização de lugares pode funcionar como dispositivo de governança comunitária — um patrimônio de sentido que, ao ser preservado, também protege a vida que depende das águas.
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