Amma e Yurugu: caos e equilíbrio na história Dogon

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Introdução Por que o mundo é como é? Por que a ordem e o caos parecem caminhar lado a lado desde sempre?  Para o povo Dogon , do Mali , essas perguntas não são meras abstrações filosóficas — elas são respondidas por uma história ancestral que atravessa gerações.  No centro dessa narrativa estão duas figuras fundamentais: Amma , o princípio criador, e Yurugu (também chamado de Ogo ), a entidade da incompletude e da desordem.  Longe de serem apenas personagens simbólicos, eles representam forças reais e atuantes na construção e no funcionamento do universo.  A tradição Dogon não apresenta uma visão maniqueísta do mundo.  Em vez disso, oferece uma leitura complexa, onde o desequilíbrio não é um erro, mas uma parte inevitável do processo cósmico.  Este artigo mergulha na história de Amma e Yurugu , explorando suas ações, consequências e o que elas revelam sobre a visão Dogon da existência. Segundo os Dogon , Yurugu vagaria eternamente pelo cosmos em busca...

Oxalá e a Lama Sagrada: A Criação na Mitologia Iorubá

Introdução


Na cosmovisão Iorubá, a criação do mundo não é um ato explosivo de poder, mas uma sequência de tentativas, aprendizados e gestos sagrados. 

O deus supremo Olodumare — também chamado de Olorun — é o criador do universo, mas delega aos Orixás a tarefa de moldar o mundo e os seres humanos. 

Entre eles, Oxalá (ou Obatalá) recebe a missão de criar a humanidade. 

O que se segue é uma jornada espiritual marcada por erros, persistência e uma revelação profunda: a vida só nasce quando há humildade e conexão com a terra.

Esse mito, transmitido oralmente por gerações, é mais do que uma simples história de origem. 

Ele revela os valores centrais da cultura Iorubá: respeito pela ancestralidade, reverência à natureza, e a crença de que o divino está presente em cada gesto cotidiano.

A criação do ser humano não é feita de fogo ou pedra, mas de lama — mistura de água e terra — símbolo da flexibilidade, da fertilidade e da conexão entre o mundo físico e o espiritual.

Neste artigo, vamos explorar esse mito em profundidade, dividindo-o em seus momentos simbólicos, compreendendo o papel dos orixás e refletindo sobre o que ele nos ensina sobre a vida, a espiritualidade e o sagrado.


Oxalá moldando o primeiro humano
Diz a tradição que Oxalá precisou da lama dada por Nanã para dar forma à vida — sem ela, a criação não seria possível.



OLODUMARE e a missão DIVINA: o início da CRIAÇÃO


No princípio, havia apenas o vazio e as águas primordiais. Olodumare, o deus supremo e fonte de todo Axé, contempla esse espaço e decide que é hora de criar o mundo. 

Ele convoca Oxalá, o Orixá da pureza, da luz e da criação, e lhe entrega a missão de moldar os seres humanos. 

Oxalá aceita com honra e parte para sua jornada criativa.

Mas o caminho não é simples. 

Oxalá tenta criar o homem com diversos elementos: ferro, madeira, pedra, fogo, ar, azeite e vinho — todos falham. O ferro e a madeira são rígidos demais. 

A pedra é fria. O fogo se consome. O ar se dispersa. O azeite e o vinho não têm forma. 

Cada tentativa revela uma limitação, uma lição sobre a essência e a função de cada elemento.

Essas falhas não são vistas como derrotas, mas como parte do processo divino

A criação exige mais do que força — exige sabedoria, paciência e humildade

É nesse processo de tentativa e erro que se manifesta a essência dos ensinamentos iorubás: até mesmo os deuses precisam reconhecer seus limites diante dos mistérios da criação.


O encontro com NANÃ: a LAMA como REVELAÇÃO


Cansado e entristecido, Oxalá se senta à beira de um rio, refletindo sobre suas tentativas frustradas. 

É nesse momento que surge Nanã, a Orixá ancestral da sabedoria, da morte e dos mistérios do tempo. Guardiã das águas profundas e da memória da terra, ela representa a ligação entre o início e o fim, entre o nascimento e a morte.

Percebendo a angústia de Oxalá, Nanã pergunta a razão de sua tristeza. 

Ao ouvir sobre as tentativas fracassadas, ela mergulha nas águas e retorna com lama nas mãos — a fusão perfeita entre água e terra. 

Esse gesto simples, mas profundamente simbólico, carrega a resposta que faltava.

Oxalá molda o primeiro ser humano com esse material e, pela primeira vez, a criação é bem-sucedida. 

O corpo é flexível, quente, capaz de se mover e de sentir. 

Satisfeito, ele sopra o axé, o sopro vital, e dá vida ao ser humano.

Esse momento revela um princípio essencial da tradição iorubá: a criação só acontece quando há colaboração, humildade conexão com a natureza.


A importância da LAMA: entre o FÍSICO e o ESPIRITUAL


A lama não é apenas um elemento físico — ela representa a dualidade da existência

A água é fluida, emocional, espiritual. A terra é firme, concreta, material. 

Juntas, elas formam o corpo humano, que é ao mesmo tempo físico e espiritual, terreno e divino.

Na tradição Iorubá, essa dualidade é essencial. O ser humano é visto como um elo entre o céu e a terra, entre os Orixás e o mundo dos vivos. 

A lama é o símbolo dessa ponte sagrada que permite que o axé flua e que a vida aconteça.

Além disso, a lama está associada à fertilidade, à transformação e à ancestralidade

É com ela que se molda, que se planta, que se cura. 

É o elemento que guarda os segredos da vida e da morte, lembrando que tudo que nasce um dia retorna ao ventre da terra.


O papel dos ORIXÁS: CRIAÇÃO como COLABORAÇÃO


Esse mito revela que a criação não é obra de um único deus, mas de uma rede de divindades que colaboram, compartilham saberes e atuam em harmonia. 

Oxalá é o criador, mas é Nanã quem oferece o elemento essencial. 

Olodumare é o originador, mas delega com confiança.

Essa dinâmica reflete a visão Iorubá de mundo: a vida é feita em comunidade, em diálogo, em respeito mútuo. 

Os orixás não são figuras distantes — são forças vivas que atuam na natureza, nas emoções e nos ciclos da existência. 

Cada um tem seu papel, seu domínio e sua energia.

Essa pluralidade divina também se reflete nas religiões da diáspora africana, como o candomblé, a santeria e o vodum, onde os orixás continuam sendo cultuados como guias espirituais e protetores.


AXÉ: o SOPRO que transforma MATÉRIA em VIDA


Depois de moldar o corpo com lama, Oxalá sopra o axé — a energia vital que anima, transforma e conecta. 

O axé é mais do que fôlego: é força espiritual, destino e essência divina.

Sem ele, o corpo é apenas barro. Com ele, torna-se humano.

Na cultura Iorubá, o axé está presente em tudo: nas palavras, nos gestos, nos rituais, na natureza.

É o que permite que o mundo funcione, que as relações se estabeleçam e que a espiritualidade se manifeste. 

É o sopro que transforma o físico em sagrado e liga o ser humano ao divino.


Rituais iorubás em homenagem a Oxalá
As danças e tambores recordam o momento em que a vida ganhou forma — um gesto de gratidão a lama e ao divino que o moldou.




Conclusão/Reflexão 


O mito da criação Iorubá ensina que a vida não nasce da força, mas da escuta, da paciência e da conexão com a terra. 

Oxalá, mesmo sendo um orixá poderoso, precisou reconhecer suas limitações e aceitar a ajuda de Nanã

A lama, desprezada por muitos, tornou-se o elemento sagrado que permitiu a criação.

Essa história revela uma espiritualidade profunda, onde o divino não está no domínio, mas na colaboração. 

Onde o sagrado não é distante, mas está presente na lama, no rio e no sopro. 

O ser humano, feito de barro e axé, é ao mesmo tempo frágil e divino, terreno e espiritual.

Na tradição Iorubá, criar é um ato de amor, humildade e sabedoria ancestral. 

E é por isso que esse mito continua vivo — não apenas como história, mas como ensinamento, como guia e como fundamento de uma cultura que honra seus orixás e reconhece que a vida é feita de lama, sopro e axé.

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